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Fé, Poder e Disputa de Narrativas

Introdução

O Brasil tem vivido, especialmente nas últimas duas décadas, um processo crescente de politização das igrejas evangélicas. De espaços exclusivamente dedicados à fé e à espiritualidade, muitos templos se tornaram palcos de discursos políticos, plataformas eleitorais e centros de mobilização partidária. Este fenômeno desafia os princípios do Estado laico, tensiona a ética cristã e levanta questionamentos sobre o papel da religião na esfera pública brasileira.

1. O Crescimento do Campo Evangélico

Segundo dados do IBGE e de institutos de pesquisa como o Datafolha, os evangélicos já representam cerca de um terço da população brasileira. Esse crescimento populacional e organizacional se refletiu diretamente na política. A chamada “bancada evangélica” no Congresso Nacional se fortaleceu, defendendo pautas morais conservadoras e, muitas vezes, unindo fé com interesses partidários.

2. Igreja e Política: Entre Representação e Instrumentalização

A entrada de líderes religiosos na política é, até certo ponto, um reflexo natural da democracia: cidadãos organizados em comunidades religiosas também buscam representação. No entanto, a questão se complica quando púlpitos são usados para pedir votos, campanhas são feitas dentro de igrejas e a autoridade espiritual é usada para influenciar decisões políticas em nome de Deus.

Nesse processo, a fé muitas vezes é instrumentalizada para legitimar discursos de ódio, intolerância ou projetos de poder pessoal. Isso coloca em risco não só a liberdade religiosa, mas a própria democracia.

3. A Religião como Ferramenta de Poder

Nos últimos anos, alguns líderes evangélicos passaram a exercer grande influência sobre o debate público, pautando desde questões morais — como aborto, sexualidade e drogas — até temas de economia e segurança. Essa atuação vai além da pregação: envolve apoio direto a candidatos, alianças com partidos políticos, e participação ativa em governos.

Durante o governo Jair Bolsonaro, por exemplo, houve uma aproximação explícita com setores evangélicos, que ocupavam espaços estratégicos no Executivo e davam suporte ideológico ao presidente. Isso consolidou uma aliança entre o conservadorismo religioso e o projeto político de direita, dando origem a uma nova forma de “cristianismo político”.

4. O Evangélico como Eleitor: Um Bloco Heterogêneo

Apesar da aparência de uniformidade, o eleitorado evangélico é extremamente diverso — composto por diferentes denominações (pentecostais, neopentecostais, tradicionais), classes sociais e visões de mundo. Muitos fiéis se incomodam com a fusão entre igreja e política e questionam o apoio acrítico de lideranças religiosas a candidatos ou partidos. Há também um movimento crescente de evangélicos progressistas que buscam uma atuação social e política coerente com os princípios do Evangelho, mas sem alianças partidárias.

5. Riscos para a Democracia e para a Própria Igreja

A politização excessiva das igrejas evangélicas pode trazer consequências graves. No plano institucional, fere o princípio constitucional da laicidade do Estado. No campo religioso, promove divisões internas, afasta fiéis e enfraquece a autoridade moral das lideranças espirituais. Além disso, o uso da religião como instrumento político pode gerar intolerância, polarização e perseguição a outras expressões de fé — ou mesmo a cristãos com visões diferentes.

Conclusão

A politização das igrejas evangélicas no Brasil é um fenômeno real, complexo e multifacetado. Ela não pode ser analisada apenas como uma busca por representação, mas também como um processo de disputa por poder. A responsabilidade recai sobre lideranças religiosas, políticos e a sociedade civil em geral, que precisam zelar pelo equilíbrio entre fé e política, defendendo a liberdade religiosa sem abrir mão do respeito à democracia e aos direitos humanos.

É urgente um debate honesto, ético e profundo sobre os limites dessa atuação. A fé cristã, em sua essência, propõe a justiça, o amor ao próximo e a compaixão — valores que devem orientar qualquer ação, seja ela espiritual ou política.

Antônio Jorge
Advogado cristão

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